08 de maio, 2024, por Fabiane Mesquita[1]
Como expressou o poeta Carlos Drummond de Andrade em seu verso do poema “Nosso Tempo”. “As leis não bastam. Os lírios não nascem das leis”. Essa reflexão ressoa como um ponto de partida fundamental para entendermos as migrações contemporâneas no Brasil. Essas palavras transcendem o âmbito literário, convidando-nos a explorar os “novos tempos migratórios” que experimentamos. São tempos marcados pela participação ativa da população migrante e refugiada em debates pelo país, incluindo eventos como as Conferências Livres de Migrações, Refúgio e Apatridia. Essas conferências ocorrem em quase todo território nacional, inclusive em diversos estados brasileiros, como o Paraná. Iniciada pela Secretaria Nacional de Justiça (SENAJUS) em setembro de 2023, essa discussão representa um importante marco na retomada do diálogo e na formulação de políticas públicas migratórias.
Desde então, diferentes atores sociais, políticos, institucionais e partes interessadas, incluindo pesquisadores (as) especializados (as) na temática, têm participado e promovido essa discussão, com base na Portaria SENAJUS/MJSP n.º 81 (2023)[1]. A referida Portaria visa aprofundar o debate sobre migrações, refúgio e apatridia, propor e discutir diretrizes para políticas públicas destinadas às pessoas migrantes, refugiadas e apátridas, promover sua participação social e fomentar a integração entre diferentes entes federativos, organizações da sociedade civil e associações e coletivos que atuam no tema.
Dessa maneira, nas etapas preparatórias que compreendem 77 Conferências Livres Locais, 39 Livres Nacionais e 22 Estaduais, reafirmou-se a importância desse debate iniciado em 2014, na cidade de São Paulo (SP), com a realização da I Conferência Nacional sobre Migração e Refúgio no Brasil. Juntas, ambas as conferências expressam o compromisso coletivo e a necessidade de implementar políticas públicas que reflitam a realidade migratória no país.
Como é amplamente reconhecido, as demandas e desafios relacionados às migrações internacionais, especialmente as contemporâneas, são variados e complexos. Nesse sentido, é essencial que cada Unidade Federativa considere as interseccionalidades locais e as necessidades específicas da população migrante, refugiada e apátrida, como no contexto do estado do Paraná.
No contexto paranaense de 2023, dentre os 399 municípios, a presença de pessoas migrantes foi registrada em 217 localidades, destacando-se as dez cidades com maior concentração: Curitiba (6.052), Foz do Iguaçu (3.283), Cascavel (2.430), Maringá (676), Londrina (607), Colombo (581), Araucária (357), Guaíra (345), Fazenda Rio Grande (340) e Campo Largo (250).
Em relação aos municípios que organizaram suas Conferências Municipais sobre migrações, refúgio e apatridia, incluem-se Araucária, Cascavel, Curitiba, Dois Vizinhos, Foz do Iguaçu, Londrina, Maringá, Ponta Grossa, Toledo e Umuarama. Ademais, vale ressaltar a participação destes na Conferência Estadual, realizada em Curitiba nos dias 24 e 25 de abril de 2024, reconhecida como um marco diferencial no Paraná. Esta análise foi compartilhada por Paulo Illes, Coordenador-Geral de Política Migratória do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MSJP), durante o evento.
Além de representantes governamentais dos municípios paranaenses, a Conferência Estadual contou com a participação ativa de entidades da sociedade civil organizada. Entre elas destacam-se a Cáritas Regional Paraná, o Instituto de Políticas Públicas Migratórias (IPMIG) de Curitiba (PR), a Associação de Migrantes, Indígenas e Refugiados (AMIRF) de Foz do Iguaçu (PR), a Associação de Migrantes pela Saúde (AJHASS) também de Foz do Iguaçu (PR), a Associação dos Africanos em Curitiba (BOMOKO), a Organização Mulheres Emigrantes Unidas (MEU) e a Embaixada Solidária de Toledo (PR), além do Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas (CERMA), dentre outras organizações.
Ao todo, foram 500 inscritos e 300 participantes de distintas nacionalidades, incluindo africanas, haitianas, colombianas, venezuelanas, tunisianas, egípcias, árabes, cubanas e brasileiras, dentre outras, segundo dados da Secretaria da Justiça e Cidadania do Paraná (SEJU, 2024)[2]. A pluralidade de participantes, tanto em termos de representantes governamentais quanto coletivos de pessoas migrantes e refugiadas, assim como estudiosos (as) da área, enriqueceu os debates e promoveu uma discussão abrangente no Paraná.
Neste ambiente de discussão, com o intuito de contribuir para os seis eixos temáticos, a II Conferência Estadual, organizada pela SEJU[1], teve como foco “a promoção do diálogo construtivo, na troca de conhecimentos e experiências, e na busca por soluções para os desafios enfrentados por essa população”. Essa percepção por parte da autora foi evidenciada em algumas das principais propostas aprovadas durante a Conferência:
1) Assegurar a alocação de recursos públicos destinados à gestão e execução da política migratória no orçamento anual nos três níveis governamentais;
2) Reformar a legislação vigente para possibilitar que as pessoas migrantes, refugiadas e apátridas ingressem no serviço público e tomem posse de cargos sem a exigência de naturalização por meio de normativas específicas;
3) Assegurar o direito de voto em eleições municipais aos migrantes com registros ativos residentes no Brasil, com comprovação de pelo menos dois anos de permanência no mesmo município. Essa prerrogativa seria estendida para eleições estaduais e federais após quatro anos de residência fixa comprovada;
4) Definir um procedimento padrão de cooperação entre o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a fim de que as Embaixadas de cada país disponibilizem, em suas plataformas virtuais, as certidões necessárias para regularização migratória e documental;
5) Sugerir a implementação de unidades interdisciplinares de referência, compostas por equipes especializadas no acolhimento de vítimas de violência, incluindo aquelas relacionadas a gênero, etnia, religião, deficiência, idade, orientação sexual e xenofobia, com foco especial em pessoas migrantes, refugiados e apátridas. Essas unidades devem oferecer atendimento com o apoio de tradutores e mediadores interculturais.
Com base nessas breves considerações, apesar de suas limitações, torna-se evidente que a elaboração de políticas migratórias requer um engajamento contínuo dos principais atores envolvidos, incluindo o governo, a sociedade civil, os movimentos sociais e a academia. Além disso, as propostas apresentadas, embora não abranjam todas, ressaltam a importância de abordagens holísticas e interseccionais diante dessa nova configuração migratória no âmbito nacional quanto estadual, no caso específico do estado do Paraná.
Como inicialmente observado, “as leis não são suficientes”. É essencial que sejam revisadas e ajustadas conforme as necessidades específicas, especialmente pelos (as) formuladores (as) e tomadores (as) de decisão. Por fim, a partir das propostas desenvolvidas pela e para a população migrante durante a Comigrar Estadual Paranaense, espera-se que elas possam agregar-se às demais propostas na Conferência Nacional, possibilitando que os “lírios floresçam”, isto é, que prosperem e se desenvolvam por meio da implementação do Plano Nacional de Políticas Públicas Migratórias no Brasil.
[2] https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/2a-comigrar-parana-tem-participacao-de-municipios-do-estado
[1] Mestra e Doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Contato: mesquitafcs@gmail.com – (55) 41 – 99179 -3777.
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